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Gare do Oriente, Médio

Dois arquitectos portugueses emigram para o Reino da Arábia Saudita. Um escreve (às vezes também esquiça), outro fotografa.

Gare do Oriente, Médio

Dois arquitectos portugueses emigram para o Reino da Arábia Saudita. Um escreve (às vezes também esquiça), outro fotografa.

Como o Bruno muito bem descreveu, a malta por aqui gosta de acampar, é saudável e dá umas fotos bem bonitas, sim senhor. Eu até já fui escoteiro, mas depois uma pessoa cresce e rende-se à invenção do sistema de evacuação de águas residuais.

Só acampei aqui uma vez, em programa organizado pela Amazing Tours, excursão pelo Bairro Vazio ( ٱلرُّبْع ٱلْخَالِي em Árabe), o maior deserto contínuo, só com areia, do mundo. Tipo a margem Sul, mas sem o segundo viaduto do Feijó. Nem o Feijó. Adiante. O programa é só um fim-de-semana, chega-se na quinta-feira à noite ao aeroporto de Wadi Aldawasir (o fim-de-semana aqui é sexta e sábado, eles gostam de ser diferentes, já que escrevem da direita para a esquerda decidiram começar o fim-de-semana pelo equivalente ao domingo, a seguir vem o sábado, e sempre é um início de semana menos deprimente), e daí vai-se de Land Cruiser até ao deserto. O de areia, aqui temos que ser específicos.

No local de pernoita já há uma tenda de apoio montada, carpetes, almofadas e café árabe. Segundo as informações do guia, os escorpiões só saem quando há muito calor (ou então é quando está frio, eu às vezes precipito-me). Quando não está tempo adequado para escorpiões é a época da aranha-camelo ou da víbora árabe. E parece que há ainda uns lagartos que também aleijam. A seguir à explicação, apresenta-nos a opção de dormir ao relento, a ver estrelas (pun intended) ou comprar por 100 SAR uma tenda individual, de fabrico chinês. Todos os expatriados compraram uma tenda.

Na primeira noite nem se esteve mal, ouve-se o ruído do vento, e está mais fresquinho. No dia seguinte foi o percurso pelo deserto, e confirma-se, é só areia. E confirma-se também que é a época dos escorpiões, com um sírio a ser picado. O que também confirma que a vida não está fácil para um sírio no Médio Oriente.

A segunda noite foi mais agreste, tempestade e trovoada, à mistura com o ruído dos camiões da Aramco, que tinha umas instalações lá perto (tinham posto de primeiros socorros, sorte para o sírio, que a picada de escorpião ainda é coisa que faz doer).

A meio da noite, vontade de mijar. Embora, de um modo geral, para qualquer homem a natureza seja um enorme urinol, no meio de uma tempestade não é assim tão simples, há sempre o risco de não voltar a encontrar o sítio da tenda, ou mesmo a tenda no sítio (lembrem-se, made-in-China). Correu bem.

De resto, não há onde tomar um duche (o que não se recomenda num sítio onde faz calor, e se partilha uma viatura com mais 4 pessoas), nem café decente.

Talvez arranjando umas velas, umas lanternas e uns tecidos, chamando-lhe glamping, a coisa se torne mais apetecível.

Ou talvez não, continua a ser apenas um tecido a separar-nos de uma data de bichos que nos querem fazer mal. 

18 Out, 2021

Al Waba, A cratera

Viajar na Arábia Saudita é uma aventura que já tive o prazer de realizar ao longo destes quase 6 anos. 

Desde sempre que conduzir foi um dos meus prazeres e fazê-lo na Arábia Saudita é algo que me agrada bastante. 

Estradas amplas, com kilómetros de cenários exóticos para quem normalmente fazia a A1 Norte Sul.

A minha noção de distância ficou alterada e hoje quando conduzo em Portugal as distâncias que antes me pareciam verdadeiras viagens passaram a ser já ali.

A Arábia Saudita tem na ligação Dammam-Jeddah um dos seus principais eixos viários. 1.400km ligam o Golfo Árabe ao Mar Vermelho e sensivelmente pelo meio temos Riyadh.

Riyadh-Jeddah faz-se em cerca de 10 horas de condução sem paragens. E foi esse o percurso que me propus iniciar uma quinta feira depois de um dia de trabalho. Pensando agora, talvez não tenha sido a ideia mais inteligente, mas é destas decisões que normalmente nascem as melhores histórias. O objectivo era passar uma semana a mergulhar no Mar Vermelho. Alguns dias em Jeddah e outros em Yanbu.

A viagem começou por volta das 19:00 depois de comer uma shoarma para ganhar coragem.

Objectivo principal, conduzir durante a noite e mergulhar pela manhã nas águas quentes de Jeddah. Mas ao chegar por volta da primeira hora da madrugada percebi que iria ter de parar e dormir para poder fazer o resto da viagem em segurança. Mas foi aí que uma ideia me ocorreu.

Algures no caminho eu sabia que existia algo que eu já tinha vontade de visitar desde que sabia da sua existência.

Al Waba Crater. A cratera de um vulcão inactivo que eu sabia que ficava sensivelmente perto de Meca e não muito distante da estrada principal onde eu estava a conduzir.

E se eu desviasse e fosse investigar? Pausa estratégica na primeira estação de serviço para análise geográfica e cálculo matemático de esforço possível. Seria que ia ser possível?

Olhando para o mapa tudo indicava que sim.

Novo plano. Sair da estrada principal, conduzir até à cratera, dormir o possível, visitar a cratera e retomar a viagem para Jeddah pela manhã.

Partida à aventura. A estrada deixou de ser uma normal auto estrada Saudita para passar a ser um estrada nacional entre povoações. A iluminação pública começou a ser cada vez mais escassa e as estrelas do céu do deserto começaram a aparecer.

E num instante o GPS disse: chegou ao seu destino.

O mapa dizia que tinha chegado, a escuridão ao redor não permitia perceber para lá de um metro de distância e o cansaço não permitia fazer explorações naquele momento.

O melhor era mesmo dormir e investigar pela manhã.

Despertador preparado para 20 minutos antes do nascer do Sol.

Acordar não foi fácil mas a curiosidade deu a energia necessária para ir descobrir se as fotografias que eu já tinha visto faziam jus ao que ali ia encontrar.

Sai do carro com o material de fotografia e a primeira visão não foi animadora. Alguns muros de pedra não permitiam ver longe. Pois então que se impõem saltar o muro e descobrir.

E aí percebi que a decisão em fazer o desvio tinha sido a escolha certa. 

O sítio não é fácil de descrever e aconselho a quem tiver oportunidade que visite. 

No exacto momento do nascer do Sol tinha a máquina fotográfica preparada no tripé. 300 fotos depois ainda estava maravilhado com o que tinha tido oportunidade de presenciar.

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Há expressões americanas que não têm tradução decente para português, e não conheço expressões portuguesas equivalentes, para o equilíbrio entre trabalho e lazer. Há um ditado que diz primeiro a obrigação, depois a devoção, mas assim de repente não se me ocorre mais nada.

Bom, vem isto a propósito da Gala Anual da Aspas (Associação dos Portugueses na Arábia Saudita), e do lazer associado ao convívio de copo na mão. Na Arábia Saudita trabalha-se muito. Naturalmente, também se festeja muito. Para evitar maçar as pessoas, vou resumir a coisa em dois tipos de eventos, formais e informais.

Os eventos formais são usualmente organizados por embaixadas, ou com o seu beneplácito, nas respectivas instalações. A maior parte das embaixadas está localizada no Bairro Diplomático, área de acesso controlado, no Sudoeste de Riade. É um bairro muito bem arranjado, das zonas mais agradáveis de Riade, onde as mulheres nem têm código de vestuário. Tipo o Restelo, mas sem vista para o rio. Nem croissants do Careca. E portanto cara, aquém das possibilidades da missão diplomática lusa (é o que dá não exportarem tanto como a TAP). Têm uma moradia jeitosa num bairro mais baratinho, mas muito bem localizado. Adiante. Além de eventos culturais (cinema, concertos, vernissages...), algumas embaixadas também organizam jantares dançantes. O acesso é limitado a uma lista de convidados seleccionados, os telefones espertos são proibidos (eu sei, estou a exagerar no aportuguesamento), as bebidas são genuínas e mais caras que no Lux. E é o mais parecido que se arranja.

Os eventos informais são normalmente organizados pelas pessoas que exploram escabelecimentos de restauração e bebidas, em compounds. O acesso costuma ser através de ligações aos residentes, que convidam amigos, conhecidos e afins. As bebidas são mais baratas, de fabrico artesanal. Por exemplo, a cerveja. Imaginem que pediram uma imperial (ou um fino, como preferirem) no princípio da noite. Esquecem-se dela no balcão e só vão bebê-la pouco antes de ser a altura de ir embora. É a isso que sabe. Nestes eventos, o controlo sobre smartphones (está bem, desisto) é mais difícil. E como já ninguém consegue divertir-se sem partilhar com meio mundo o quanto se está a divertir, e isto aqui é à vontade mas não é à vontadinha, volta e meia o estabelecimento é encerrado pela polícia, e os concessionários detidos.

Além disto, já vai havendo outro tipo de ofertas para tirar o pé do chão, tipo festivais de música electrónica, nunca fui, não me posso pronunciar.

E portanto, confirma-se, aqui trabalha-se muito, mas a gente também sabe divertir-se.

Al Balad, é uma porta para um mundo que já não existe mas que ainda aqui está.

Al Balad, é o bairro que em a ASAE não entra porque não saberia por onde começar.

Al Balad, é um tratado de construção que questiona as leis dos Engenheiros e mostra que os castelos de areia não são só para putos.

Al Balad, tem ruas que serpenteiam e nos fazem perder o Norte.

Al Balad, é um sítio de negócios onde Homens compram e Homens vendem.

Al Balad, é um sítio onde os negócios se fazem com tempo. Tempo para um chá, tempo para uma conversa, tempo para saber a tua história, tempo para fechar o negócio.

Al Balad, tem ouro.

Al Balad, tem lojas que vendem tâmaras e cobertores e espadas e lamparinas que o Rui Veloso em usaria em noites menos próprias.

Al Balad, tem gatos que partilham a Kabsa com Sauditas sentados no passeio.

Al Balad tem muitos povos lá dentro.

Al Balad, cheira a especiarias e incenso e peixe frito.

Al Balad, tem velhinhos simpáticos que perguntam de onde vimos, e que não nos devolvem “Cristiano Ronaldo”.

Al Balad, tem mulheres discretas, que não são tao simpáticas como os velhinhos, e que regateiam o preço dos cobertores.

Al Balad, tem gente que estranha turistas com máquinas fotográficas e que a olham fixamente.

 

Se fosse em Portugal diríamos:

“Al Balad é uma Nação” 

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