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Gare do Oriente, Médio

Dois arquitectos portugueses emigram para o Reino da Arábia Saudita. Um escreve (às vezes também esquiça), outro fotografa.

Gare do Oriente, Médio

Dois arquitectos portugueses emigram para o Reino da Arábia Saudita. Um escreve (às vezes também esquiça), outro fotografa.

31 Mar, 2021

O ACIDENTE II

2020, Dezembro 13

Primeira deslocação à Mooror (segunda, se contarmos com a de sexta), com o driver da empresa, que acumula como tradutor. Caso não tenham lido o primeiro capítulo, Mooror é a Brigada de Trânsito.

O escritório onde a polícia trata deste assunto parece ter sido montado nos anos 80 (parto do princípio que pessoas que ainda lêem blogues se lembram de como eram os escritórios dos anos 80), e por aí se ficou. Há 4 secretárias de madeira escura, um conjunto de 3 cadeiras tipo aeroporto para os cidadãos esperarem, polícias entram, polícias saem, cidadãos trazem papéis, são assinados, carimbados, recolhidos (os papeis, não os cidadãos). 

Consegue-se a identificação do condutor e autorização para recolha de orçamentos. São necessários 3 para a mão-de-obra, mais um para as peças. Coisa para custar 150 riais, são 50 por orçamento.

2020, Dezembro 14

Nova deslocação a Jazan, o carro lá se consegue arrastar, mesmo com o escape estrangulado, nem vale a pena ligar o autorádio, para me encontrar com o irmão do condutor, no souq das oficinas. Não é muito diferente da zona de armazéns da Serra do Casal de Cambra. Em Lisboa há a rua dos Fanqueiros e dos Correeiros, aqui ainda se juntam por ocupações. O que facilita. Depois de alguma discussão em árabe, mediada por um prestável colega, lá se chegou a um acordo, e obtidos os 3 orçamentos para a mão-de-obra, faltam as peças, as lojas já fecharam, fica para amanhã.

2020, Dezembro 16

Recolha do orçamento para peças, a loja A já tem o sistema desligado, que é quase por do sol, vá à loja B. Que não tem sequer todas as peças em stock. Regresso à loja A, mas afinal é na loja C, que já está a fechar. Com um apelo ao coração, lá se consegue o orçamento para as peças. Mais 50 riais, sff.

2020, Dezembro 17

Dia de embarque para Portugal, segunda ida à Mooror, para apresentar os orçamentos. Era suposto encontrar-me com o o irmão do condutor, que se balda. Mais um papel da polícia, com pedido para certificar os orçamentos. Os orçamentos são certificados num escritório oficial, algures no souq das oficinas. É preciso um guia, que custa mais 50 riais, e ainda tenho que pedir a um colega do escritório para me filmar o carro (vim na Ford Trânsit da empresa). Finalmente, mais 300 riais depois, tenho um envelope fechado, com a estimativa de custo; o carro vale X, no estado em que ficou depois do acidente ficou a valer Y, o custo é X-Y. Simples. Não se percebe para que foram necessários os orçamentos, mas isso agora não interessa nada.

O contacto passa a ser feito com o outro condutor, mas agora pausa para férias, que entretanto mete-se o Natal.

26 Mar, 2021

Heet Cave

Quando cheguei à Arábia Saudita, o Instagram não era o portento dos nossos dias e o turismo não era ainda o "El Dorado" de uma geração.

No entanto a Heet Cave era já um local conhecido entre todos e destino regular de alguns passeios de fim de semana. Sem razão específica a curiosidade ainda não me tinha despertado para uma visita, mas ao fim de 5 anos, as novidades começam a faltar e daí a visita aconteceu.

De alguma forma foi aquilo que eu esperava, um buraco com água no fundo. Um poço que podemos descer pela parede até à água.

No entanto a escala foi totalmente a surpresa do local. A dimensão é impressionante mas tão difícil de transmitir nas minhas limitadas palavras e até mesmo nas minhas fotos.

Mas as fotos foram sem dúvida a melhor parte desta tarde de exercício. Para os praticantes da fotografia este é um destino incrível. Os desafios estão todos lá: o claro/escuro, os contrastes, a escala, a cor...

Uma tarde bem passada com um gostinho especial para lá voltar.

 

Bruno Antunes, 26 de Março de 2021

 

20210226 2021 Heet Cave001.jpg

A descida é um ato de fé em si

o efeito de escala no lugar não é fácil de transmitir em fotografias. Mas não deixa de ser impressionante

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Água: o cálice sagrado do Médio Oriente

 

 

10 Mar, 2021

O ACIDENTE I

2020, Dezembro 11

Estava uma manhã fresquinha e agradável, a caminho do aeroporto internacional de Jazan. Destino: Riade, jantar de Natal da Aspas (Associação dos Portugueses na Arábia Saudita). Previa-se vinho e bacalhau. E é neste estado de espírito que cubro os 85km entre a JCPDI (cidade de Jazan para indústrias primárias e secundárias), a via rápida desemboca na M55 (Jazan/Jeddah) duas faixas em cada sentido, e desfaz-se no interior da cidade. A chegada é assinalada por um par de lombas, a refrear os 120km/h de velocidade máxima.

7:12 (mais coisa menos coisa) - Há o momento da travagem e o olhar periférico a abordar o retrovisor, este gajo não vai parar a temp… CRASH!!! (CHOQUE!!!!, em português) O carro é projectado violentamente, o olhar insiste no retrovisor, um Toyota Landcruiser J70, como um touro na investida, afocinha e cambalhota para o seu lado direito. Silêncio. Ao lado esquerdo, a roda sobressalente rola.

Segue-se o habitual, populares (suponho que impopulares também, os acidentes não discriminam) acorrem ao local, vozearia, pó.

A traseira do Fortuner está desfeita, mais ou menos, porta da bagageira amolgada, escape estrangulado, farolins esquerdos partidos, as portas do lado direito mal abrem. O J70 está de novo sobre as 4 rodas, o palerma do condutor sobre os dois pés.

É um garoto árabe, com ar aparvalhado, magro, imberbe, cabelo tipo cumulus, mas carvão em vez de vapor de água.

7:42 - Chega a polícia, para tomar conta da ocorrência. É comum a responsabilidade ser atribuída aos expatriados, felizmente não foi o caso. E talvez ainda chegue a tempo ao aeroporto.

Depois de obtida a informação, nova espera, agora pela Najm, a entidade coordenadora das seguradoras. Definitivamente, já não vou conseguir apanhar o avião.

8:26 - Chega a Najm, procede - também- ao registo da ocorrência, preencho a descrição do acidente, fazendo questão de assinalar a pancada na traseira, a outra viatura não tem seguro. Foda-se.

9:12 - Agora é suposto dirigir-me à delegação local da Mooror (brigada de trânsito), mas é sexta-feira e só abrem no domingo. Bela merda.