Qualquer dia até já fumam
Quando cheguei a esta terra, não tinha colegas do sexo feminino. Fui contratado por uma empresa de fiscalização de projecto e obras, de vez em quando aparecia por lá a italiana, directora dos recursos humanos, ou lá qual era a função dela.
O corpo feminino expatriado (pun intended) do hemisfério ocidental distribuía-se por 3 áreas, assistentes de bordo, enfermagem e ensino.
Isso também já mudou, o leque de profissões onde as expatriadas se colocam diversificou-se.
Neste momento, tenho uma colega arquitecta, da Europa central, chamemos-lhe Helena.
Helena deixou o seu país de Natal, com uma mala de cartão (estou a brincar, devia ser uma Samsonite) por falta de perspectivas profissionais, não precisou que ninguém lhe dissesse para parar de ser piegas. Destino, Qatar. Por sugestão de antigos colegas que já lá estavam, como é usual nestes casos.
Tratando-se de um ambiente de trabalho multinacional, com uma percentagem elevada de mulheres, acabou por não notar grande diferença entre estar a trabalhar num país árabe ou noutro qualquer sítio do globo, com equipas semelhantes. O Qatar não impõe código de vestuário, para além do bom senso (Birkenstock com peúga branca também dão direito a apedrejamento, como pertence) e respeito pela cultura local, pelo que o choque não foi violento. Aliás, nem se pode falar em choque, terá sido mais um encontrão. Um ligeiro encosto, vá.
Seguiram-se os Emirados, cenário idêntico, com uma camada extra, Helena sobe na carreira e passa a ter que mostrar aos subalternos ter conhecimento e capacidade para mandar neles. Passada a fase inicial, a coisa prossegue sem mais sobressaltos.
O facto de haver poucos autóctones no escritório ajuda a que não se veja mais discriminação aqui do que noutras paragens mais a Ocidente. Diria que, tipicamente, as ocidentais que se dispõem a emigrar para sítios mais exóticos, apresentam o tipo de personalidade de quem não está para aturar certo tipo de merdas. E agora que penso nisso, as egípcias com quem tive contacto nesta área profissional também não.
Bom, adiante, finalmente Helena chega às terras do Profeta. No escritório o ambiente é semelhante, provar que é competente a superiores e subalternos, e passada essa fase um vintém é um vintém e um cretino é um cretino, qualquer que seja a genitália do interlocutor.
Na rua as coisas são diferentes, como expectável, mas isso faz parte do charme do país, ter um ou outro devoto a ralhar por estar a fumar na rua, ou por acharem que não está vestida com modéstia apropriada. Por outro lado, não tem que ouvir piropos dos gajos das obras.
Helena não está satisfeita com o sistema de organização dos projectos que encontrou na Arábia Saudita, e é apenas isso que a faz ponderar mudar-se para outras paragens, pela sua experiência as mulheres expatriadas podem viver aqui como querem. Qualquer dia até já fumam.