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Gare do Oriente, Médio

Dois arquitectos portugueses emigram para o Reino da Arábia Saudita. Um escreve (às vezes também esquiça), outro fotografa.

Gare do Oriente, Médio

Dois arquitectos portugueses emigram para o Reino da Arábia Saudita. Um escreve (às vezes também esquiça), outro fotografa.

Janta. Nem sempre bem, mas janta.

Quando se trabalha em locais remotos a alimentação é fornecida pela cantina do compound, e sometimes maybe good, sometimes maybe shit. Estamos a construir uma nova cidade, e portanto ainda não há cidade. O sítio mais próximo para ir ao café fica a 30km (por acaso até havia uma bica decente aqui no compound mas fechou por causa do Covid). Já para uma cerveja, são 1500km até ao Egipto. A Eritreia fica mais perto, e suponho que lá também haverá cerveja, mas a logística é complicada.

Voltando à comida da cantina, o que se passa é que é uma merda, há que dizê-lo com frontalidade. E o que faz nesse caso um português digno dos seus épicos antepassados, quando se vê em tal situação? Pois lá em casa para si cozinha. O que tem os seus desafios, na parte das compras (procurement, em americano, que é mais fino). O básico encontra-se na mercearia do compound, massa, arroz, ovos e afins. Peixe fresco, carne, legumes, lá está, só a 30km. E se nos apetece qualquer coisa mais sofisticada, às vezes encontra-se em Jazan, e são 80km. Para cada lado.

Nunca encontrei mozarella fresco, às vezes há manjericão. Para a sopa de grão com agrião, grão há muito, agrião só encontrei uma vez, há uns anos em Riade, no Tamimi. Aqui não há Tamimi.

Também não há muita produção local, pelo que a pegada ecológica do que se encontra na secção dos frescos deve ser superior à do sapato do Neemias Queta.

Há umas ervas esquisitas, só deve dar para cozinhar como se fosse grelos. Mas sem ser para acompanhar a morcela com batata cozida, para que mais servem?

Ao nível da couve, ainda se arranja uma que parece lombardo, dá para sopa à lavrador, mas o caldo verde está fora de questão. Grelhados no carvão também não pode ser, por causa das normas de segurança, esta gente está habituada à fogueira no deserto, com habitações pré-fabricadas por perto ficam nervosos.

Ainda assim, a coisa resolve-se, com a criatividade, tentativa e erro, e chamando-lhe cozinha de fusão. O vinho branco pode ser substituído por vinagre de cidra, os espinafres congelados dão para fazer de conta que é agrião (é a minha versão e mantenho-a), arroz de hamour em vez de tamboril, feijoada de lula congelada, Brás de frango (estou a brincar, não somos Vikings). A energia eléctrica é por conta do compound, o que permite deixar a carne a estufar durante 4 horas sem pesar na factura. Pelo menos na minha. 

Trazendo enchidos de Portugal, alarga-se o leque de possibilidades, desde que embalados em vácuo, sem etiquetas, e nunca em folha de alumínio. Também dá para trazer bacalhau, mas é mais difícil arranjar água fria para o demolhar.

Assim como assim, há alho, coentros e azeite. Arranja-se sempre alguma coisa para jantar.

 

No longínquo Norte do Reino esconde-se um segredo não muito secreto.

O Golfo de Aqaba. 

 

É uma zona geograficamente interessante. Sentados na praia podemos ver Arábia Saudita (obviamente), Jordânia, Israel e Egipto. Não é um fenómeno, mas é sempre uma trivia que quiçá um dia poder salvar uma noite de Trivial Pursuit.

A minha razão primeira para visitar a região foi primeira a de fazer mergulho no Golfo de Aqaba. E mais uma vez o reino não desiludiu. A água um pouco mais fresca que as do Mar Vermelho mas mesmo assim longe das águas Atlânticas que tive o “fresco prazer” de visitar na minha última visita a Portugal.

 

Mas a viagem mostrou que a viagem seria mais do que apenas águas translúcidas e gentes simpáticas. Esta região fica a meio caminho entre a mítica cidade de Petra na Jordânia e Alula na Arábia Saudita. Bem no coração do reino Nabateu. E apesar de não ter monumentos marcantes, existem pequenos povoados Nabateus que merecem uma visita.

 

Mas na verdade, na verdade, o que eu queria mesmo era ver peixinhos .

Voltarei certamente brevemente.

 

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Não há viagem como a primeira. Sabemos o que deixamos para trás, desconhecemos o que nos espera adiante, a aventura e a novidade. Depois, tudo muda, continuamos a deixar a família, os amigos, Portugal, e também o que nos fez partir. 

A excitação de voar já deu lugar ao tédio, os aeroportos são todos iguais, há lojas Relay, Boss, Thule, CK One em promoção, já nem reparo, enquanto vou arrastando a mala de cabine, aka Bóbi, à procura da porta de embarque. E escala em Paris, Londres, Frankfurt, Istanbul... (a TAP é nossa, mas voos directos, nicles) mais um Relay, mais uma Boss, mais uma promoção de CK One.

Na chegada ao aeroporto internacional King Khaled, em Riade, é como se ainda ontem tivesse saído, está tudo igual. Mais ou menos, agora há controlo de PCR ao cimo das escadas. Mas continua o ruído da fonte e, no átrio onde se forma a bicha para as formalidades de entrada, há um écran gigante com a ovelha Choné. Há alguma empatia com os outros expatriados na bicha. Os residentes do GCC, e os que chegam pela primeira vez, vão para bichas separadas. Há turistas e há viajantes, a Arábia Saudita já aceita turistas, mas aqui ainda somos todos viajantes, os instagramers que arranjem outro nome.

O dejá vu termina, agora há ainda o voo para Jazan, implica mudança de terminal, e é quando saio do Terminal 1 que o calor confirma o regresso.

São mais duas horas de voo. O aeroporto internacional de Jazan não tem mangas, é só um percurso de 30m, em autocarro, entre o avião e o terminal. Nota-se logo que se está à beira-mar, por causa dajumidades, os óculos ficam logo embaciados. A entrada no terminal lembra uma estação de autocarros em Ponte de Sôr. Passa-se por uma palhota com mobília e artefactos típicos da região (eu disse que fazia lembrar, por causa de coisas, não disse que era a mesma coisa), bem-vindos a Jazan, a Odeceixe da Arábia Saudita, mas com água menos fria, e sem surfistas.

E começa a contagem decrescente para o próximo regresso, enquanto já regressámos à rotina, Então que tal as férias, a família, todos bem?

Já falta pouco.