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Gare do Oriente, Médio

Dois arquitectos portugueses emigram para o Reino da Arábia Saudita. Um escreve (às vezes também esquiça), outro fotografa.

Gare do Oriente, Médio

Dois arquitectos portugueses emigram para o Reino da Arábia Saudita. Um escreve (às vezes também esquiça), outro fotografa.

Quando eu aqui cheguei, os restaurantes (e não só), eram segregados, homens solteiros para um lado, o resto para o outro, designado por “Famílias”.

A primeira vez que me sentei na zona de Famílias foi por ocasião de um jantar de expatriados portugueses, e rapidamente percebi a diferença: crianças por todo o lado, gritam, correm, há comida pelo ar (não há, mas se houvesse não estranharia). Pelo contrário, a área dos solteiros é quase como um clube de cavalheiros, dos britânicos. Há sossego, serenidade, consegue-se conversar sobre aquilo que nós, homens, conversamos, futebol e comida.

Aqui as crianças são mais do que as mães que, aliás, podem ser várias. Os sauditas levam as crianças para todo o lado, e de qualquer maneira, pelo seu próprio pé, ao colo, em carrinhos, arrastadas. Nos carros também é de qualquer forma, sentados, ao colo, no banco da frente, a apanhar ar à janela, ou de pé pelo tecto de abrir (nos anos 70/80 também era assim que viajávamos e ainda cá estamos, prevejo um belo futuro para as crianças sauditas que sobreviverem).

Há parques infantis por todo o lado, e não há shopping que não disponha de parque de diversões, que pode incluir carrosséis, montanhas russas, stripers, girafas e anões (pronto, exceptuando as stripers e os anões).

As meninas vestem-se como tiktokers, até à primeira menstruação, depois já têm direito a usar o kit modéstia (abaya, niqab e hijab), o que, parecendo que não, até ajuda a poupar no guarda-roupa, cabeleireiro e maquilhagem. Os garotos vestem calção e t-shirt até à puberdade. Depois, os mais conservadores passam para o thawb, os outros copiam concorrentes de espectáculos de realidade (reality shows, em americano).

Esta omnipresença torna impossível andar num avião saudita sem levar com um pimpolho a berrar durante toda a viagem, às vezes dois, em estéreo. Diz que são o futuro.

Os dias continuam quentes, mas os loucos 50 graus de Agosto já passaram. Agora as máximas já não passam dos 43. As folhas secas de Outono aqui não existem, mas já se sente a vontade de fugir para o Deserto sempre que possível. Acampar na Arábia Saudita é um desporto, que a ser de competição seria facilmente vencido pelos verdadeiros Sauditas. Atletas olímpicos em fugir da cidade e apreciar uma boa fogueira, uma boa “kabsa” e uma boa “shisha”.

Aqui os jipes servem mesmo para a função que foram desenhados. Incursões no deserto em estradas mais ou menos “existentes”, em procura do sítio para passar um ou dois dias sem vizinhos.

Mesmo não levando o campismo ao nível profissional dos Sauditas, muita gente pratica este desporto de fim de semana. Eu confesso ser um praticamente amador, mas já relativamente empenhado na participação. E é algo que recomendo sinceramente. Particularmente se acompanhado por umas costeletas de borrego na brasa ao jantar. 

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Bom, não foi bem salvar a vida, foi mais evitar uma situação desagradável, vá.

A minha aventura no Médio Oriente começou em Riade, em 2015, e havia muita cidade para explorar. A família tinha ficado em Portugal, o Pokemon Go, era uma forma de me relacionar com o adolescente mais velho. E impressionar o puto, com os bicharocos que se apanhavam por aqui, pouco comuns em Portugal. Adiante.

Ou antes, para trás, para trás, um pouco (só um bocadinho) de história do desenvolvimento urbano de Riade. A cidade ter-se-á desenvolvido a partir da fortaleza de Masmak, no início do séc. XX, para norte, onde localiza agora o centro financeiro. No intervalo, construções corriqueiras misturam-se com edifícios modernistas e moradias inspiradas na arquitectura moderna americana do pós-guerra.

Um desses edifícios é este hipódromo/clube de equitação. Dei por ele durante um dos passeios, olhei para ele e disse: Vou-te fotografar. E fotografei. O segurança devia ter problemas de auto-imagem, não gostou que lhe fotografassem as instalações, e abordou-me nesse sentido. Acho que, que ainda agora não falo árabe, e na altura menos ainda.

Mudei o écran do telemóvel para o Pokemon Go, mostrando e insinuando que estava apenas a tentar apanhar um Geodude, não estava a fotografar nada. Uma vez que a comunicação não estava a fluir, o rapaz opta por chamar o chefe, pausa que aproveitei para apagar as fotos que tinha tirado. Achei mais saudável. De modo que, quando o chefe chegou, de carro, já tinha uma biblioteca de fotos limpa de imagens comprometedoras. O chefe já fala qualquer coisa de inglês, e ouve as minhas explicações com cara de “mas que raio é um Pokemon?” 

Eu insisto que não tirei fotos, o segurança insiste que sim, o chefe resolve chamar mais alguém, vem um chinês. Poliglota, já que além de mandarim (ou cantonês, sei lá) também fala árabe e inglês. Eu mantenho a minha justificação, suponho que o segurança mantém a dele. Já o chefe, suponho que já está farto e quer voltar para casa, que é fim de semana e ter sair para lidar com Pokemon é coisa que não lhe estaria nos planos. Portanto cede, vai em paz e que Alá te acompanhe.

O chinês deixa-me com um aviso, não jogues Pokemon Go na Arábia Saudita, que é perigoso. Já a cara do segurança, não deixava dúvidas sobre o que lhe ia mente, Eu bem sei que estavas a fotografar, cabrão!

Para um jovem rapaz dos anos 80 o Médio Oriente será sempre o país onde o petróleo nasce nas traseiras das casas. O sítio onde a água é mais cara que a gasolina. E para um jovem adolescente, os motores que o petróleo move são mais interessantes que os interesses movidos pelo petróleo. Não sou decerto um “petrolhead” fundamentalista, mas os carros sempre foram para mim um gosto especial. As fichas técnicas e os últimos modelos foram sempre informações que devorei e memorizei com uma facilidade que fazia inveja a fórmulas matemáticas e químicas.

Já nos anos 2000 foi o sonho dos Emirados e das maravilhas automóveis “abandonadas” que continuaram a alimentar essa paixão.

Deu-se o destino que viesse viver um dia neste país. Coisas do destino, ou talvez não.

E a verdade é que para alguém com este gosto este é o lugar certo para se estar. Mas no fim percebemos que nem tudo era como imaginávamos. Afinal os super carros abandonados são só carros que estavam na rua num dia em que a tempestade de areia passou. Que por cada “Rolls Royce” que vemos, temos de aturar 683 Hyundai Accent branco a querer passar à nossa frente. Que os jipes Toyota Land Cruiser passaram a ser as Ford Transit que enchem a 2ª Circular.

Aqui visitar um stand de usados, serve para juntar na mesma sala “climatizada”, um Bugatti Veyron, um Pagani Huayra, um La Ferrari (cough, cough, nerd talk bem sei). Mas isto apenas junto à porta entrada, que os Urus estacionados ao fundo da sala sãos as carrinhas Audi A4 de serviço portuguesas e essas na verdade já não fazem vista gorda a ninguém. É também a terra onde os “muscle cars” dos sonhos de menino são carros do dia a dia ou até mesmo um Uber, naquele dia que temos mais sorte.

Mas o dia mesmo bom, foi quando aconteceu o “Riyadh Car Show”. Durante uma semana estiveram na cidade as melhores máquinas que o dinheiro pode comprar. Os leilões bateram recordes mundiais. E por dias eu estive no centro do mundo que sonhei enquanto cresci.

E foi aqui que até o “Grave Digger” e os amigos camiões monstros que eu via na televisão fazerem saltos que não pareciam reais, eu vi voar. 

 

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