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Gare do Oriente, Médio

Dois arquitectos portugueses emigram para o Reino da Arábia Saudita. Um escreve (às vezes também esquiça), outro fotografa.

Gare do Oriente, Médio

Dois arquitectos portugueses emigram para o Reino da Arábia Saudita. Um escreve (às vezes também esquiça), outro fotografa.

A imagem que aqui o reino transmite para o Ocidente mudou um pouco desde que cá cheguei, e não apenas pelo nosso CR7. Giorgina veio mudar mentalidades, lia-se em revistas do social. Mas já lá vamos.

Em 2015, a única coisa que eu sabia da Arábia Saudita resumia-se a uma publicação de um amigo na rede social Facebook, “na Arábia Saudita há restaurantes para homens e restaurantes para mulheres”, e pequenas notícias indicando ter um dos números mais elevados de execuções de pena de morte. E era o sítio onde uma Selecção Nacional de Futebol conquistou o seu primeiro título mundial (vamos sempre parar ao futebol). Também sabia das mulheres tapadas, todas tapadas, e dos compounds, ilhas de ocidentalidade num mar de crentes.

Quando tive oportunidade de mudar para cá, não sabia bem ao que vinha, mas já sabia um pouco mais, descrito por compatriotas. Recordo particularmente uma foto que partilharam, numa esplanada, refrescada por ventiladores gigantes, todos em design.

O que encontrei à chegada foi calor, muito calor. E uma cidade vibrante, pessoas afáveis, boa comida, nada a que um português não se consiga adaptar. O meu amigo não foi preciso na sua publicação na rede social Facebook, não havia restaurantes só para homens e outros só para mulheres, mas uma secção para homens solteiros (ou sozinhos) e outra para famílias. Belo costume que se tem vindo a perder, já não conseguimos jantar sossegados, sem levar com gritos e correrias das criancinhas.

As mulheres andavam, de facto, de cabelo coberto e abaya, sim, era obrigatório para todas, crentes ou infiéis. O niqab (lenço que tapa o rosto) facultativo. Muitas ocidentais andavam com o seu hijab (lenço para a cabeça) na carteira, para usar apenas em encontros esporádicos com a polícia religiosa, tutelada pelo ministério para o combate ao vício e promoção da virtude.

Ainda assim, houve compatriotas que chegaram com outro tipo de expectativas. Há já uns quantos anos, André (os nomes são fictícios, para preservar a privacidade das pessoas envolvidas), engenheiro de obra recém-chegado, juntou-se ao nosso café de fim-de-semana, questionando sobre ocupação de tempos livres:

- Não há onde se possa beber um copo?

- Não, meu caro. Neste país o álcool é proibido.

- E onde se podem encontrar umas garotas?

- Mas não sabias para onde vinhas? Mulheres só podem estar com outros homens quando o seu guardião também está presente.

Para completar a trilogia, só faltou perguntar por casinos. E tudo isto estava a fazer sentido até à chegada do Óscar, já muito bem disposto.

- Pá, cheguei agora de uma festa, com as enfermeiras do Hospital Cujo Nome Também É Melhor Não Revelar, acho que abusei da sangria…

André ficou a achar que estávamos a gozar com ele, mas afinal pode-se?

De facto, o álcool ainda é proibido, tal como certas substâncias de uso recreativo são proibidas no Ocidente, e à vontade não é à vontadinha. Em certos e determinados compounds há bares e eventos, mas quando a coisa se torna demasido conspícua a policia intervém, e não costuma correr bem para os fornecedores.

Já para o convívio intersexo, a modéstia continua a ser obrigatória, mas a interpretação já é mais elástica. Inauguraram cinemas e concertos, MDL Beast e afins, com tudo misturado. Suponho que para muito crente isto esteja a degradar a sociedade e a perverter a juventude. Já para os crentes governantes, e uma vez que, graças ao petróleo, não falta o pão, há que investir no circo.

Voltando às mentalidades que Giorgina Rodriguez supostamente iria mudar ao chegar ao reino, meh… Já muito antes dela havia namorados a viver em compounds, sem que o seu estado civil incomodasse as autoridades. E andar aí a exibir roupas e acessórios de luxo é o trivial com batatas para árabes.

A Arábia Saudita ainda não é vista como uns Emirados, sobretudo o Dubai, nem me parece que o deseje.

Faltam 6 anos para completar a Visão 2030, faltam 12 para o Mundial (o de futebol, claro, há outro?). Se ainda cá estivermos vamos então rever como o Ocidente vê a terra do Profeta.