EVERY PERSONS HOME IS NICE
“Do alto dessas pirâmides 40 séculos vos contemplam”.
Terá dito Napoleão aos seus soldados, antes da Batalha das Pirâmides. E portanto lá ficaram entretidos, esses vetustos sólidos platónicos, a contemplar enquanto os cavaleiros mamelucos eram desfeitos pela artilharia francesa.
Mais de 224 anos depois, um português tem que passar 5 dias no Cairo, nos escritórios de um consultor.
Primeira dica: Se tiverem que viajar de Jidá para o Cairo, de avião, vale a pena investir na classe executiva. Jidá é o aeroporto internacional mais próximo de Meca, pelo que os A333 da Saudia vão carregados de peregrinos, no regresso de umrah, atulhados com malas, sacos, caixas, pacotes, cestos à cabeça, galinhas e cabritos (não vi galinhas nem cabritos, mas de certeza que havia). Antes do voo, as assistentes de bordo espalham um spray - suponho que sulfato de cobre - pelo que dá para confirmar que não estou a exagerar.
Segunda dica: Contratar Via Rápida. À nossa espera, logo à saída da manga do avião, estava um indivíduo contratado pelo consultor, encarregado de nos ajudar com as formalidades de fronteira, controlo de passaportes, e evitar as longas bichas de peregrinos. O que me leva à…
Terceira dica: Levar apenas mala de cabina. Descarregar um A333 atulhado com malas, sacos, caixas, pacotes, cestos à cabeça, galinhas e cabritos (não vi galinhas nem cabritos, mas de certeza que havia) ainda demora.
Aproveitei o tempo para comprar uma garrafa de Cabernet-Sauvignon no free-shop. E daí a…
Quarta dica: Se tiver mesmo que levar mala de porão, incluir um saca-rolhas, já que é possível comprar Cabernet-Sauvignon no free-shop do aeroporto do Cairo.
Os serviços do funcionário da Via Rápida terminam depois de nos enfiar num táxi com destino ao hotel. Era de noite, de modo que não deu para ver muito do Cairo. E, se calhar, ainda bem.
No dia seguinte, no percurso entre o hotel e os escritórios do consultor, deu para confirmar o que já me tinham contado, mas só vendo acredito. O trânsito no Egipto ainda é pior do que na Arábia. E, inclusivamente, há ainda menos mulheres a conduzir. Como andar de carro aqui não é suficientemente radical, há centenas de motociclos com indivíduos que acham que capacetes é para meninos.
Nisso, as autoridades egípcias estão mais à frente, o uso de capacete não é obrigatório, afinal de contas, qual o interesse em querer preservar um cérebro que é demasiado burro para se decidir a proteger-se?
Sim, há outros países com cenários idênticos, mas a velocidade da circulação, dado o volume, é menor, pelo que os acidentes não costumam ser tão graves.
O escritório do consultor (engenharia) tem uma composição por sexos semelhante ao que se pode encontrar numa congénere europeia. O Egipto é um país de maioria muçulmana, e há mulheres com lenço na cabeça, sem lenço, de saia, ou calças.
As egípcias que usam lenço, fazem-no de forma muito semelhante à da minha tia Idalina, quando ia à vila.O que causa alguma dissonância cognitiva quando estou a dialogar com alguma engenheira mais sénior, porque estamos a discutir sobre os módulos de rotura e códigos ACI-435R, em vez do Borda d’Água.
No último dia, ainda deu para visitar as pirâmides. Já deve haver cerca de 1.489.352 blogues de viagens sobre o assunto, pelo que dispenso o meu relato, ide lá ver.
Finalmente, de regresso, o percurso até ao aeroporto atravessou bairros clandestinos, mas comparar estes com Casal de Cambra é como comparar a estátua do Fernando Pessoa no Chiado com a Esfinge.
Há um troço da autoestrada que rasga um desses bairros, cortando edifícios de 10 pisos ao meio (para evitar o desperdício de demolir um edifício inteiro, uma vez que o viaduto só vai ocupar metade, espertos…), expondo as paredes pintadas dos quartos demolidos, como uma espécie de baixo relevo de Mondrian, mas em tons pastel.
No voo para Jidá (rever a primeira dica), os homens que vão em peregrinação vestem apenas duas toalhas brancas, faz com que a classe económica pareça uma excursão ao spa.
E, finalmente, rever a terceira dica.