A crise da habitação no país mais rico do GCC
Quase — em termos de PIB per capita só fica atrás do Qatar. E dos Emirados. Enfim, as pessoas não são números, e coiso.
Adiante. Parece que em Portugal não está fácil comprar casa, mas aqui também não. Aliás, até há pouco tempo, a propriedade imobiliária era exclusiva de Sauditas — o comum dos mortais apenas podia arrendar.
O meu primeiro alojamento, em Riade, foi numa moradia arrendada pela empresa, partilhada com mais cinco colegas. Na mesma rua, o piso térreo de outra moradia servia de cantina. A empresa tinha ainda outras moradias espalhadas pela cidade. Empresas mais generosas distribuíam os funcionários por condomínios fechados — aqui conhecidos como compounds — ilhas de ocidentalidade, desenhadas para cativar profissionais europeus e americanos.
Ficámos por lá até os vizinhos começarem a reclamar da presença de tanto homem solteiro numa zona de famílias. Alegadamente. A aparição de um colega fumador à varanda, em trajes pouco modestos, também deve ter contribuído. Tivemos então de procurar alternativas, e acabei por partilhar um T2 com um colega, no Kuwait Compound. O nome é fino, mas tratava-se apenas de um bloco de apartamentos, em que o piso térreo era parte piscina e parte parqueamento, e ainda sobrava uma sala com umas poucas máquinas de exercício físico, que chamavam ginásio. Ficava por 55.000 SAR/ano (façam vocês as contas), electricidade, água e wi-fi (muito fraquinho) incluídos. Haveria sítios mais baratos, sim, mas não era a mesma coisa.
Ao fim de alguns meses fui com o Bruno a uma festa no Kingdom City, e achámos que merecíamos morar num sítio semelhante. Não o Kingdom City, que já tinha preços upa upa, puxadotes (cerca de 125.000 SAR/ano por um T1), mas um sítio com piscina ao ar livre — e assim fomos parar ao Green City Compound. Houve algumas vicissitudes na mudança, mas isso fica para outra publicação.
O apartamento, um T3 partilhado com o Bruno e o meu colega de casa do Kuwait Compound, resultou da divisão de uma moradia de dois pisos, solução comum criada pela gerência para rentabilizar as propriedades.
A renda era de 105.000 SAR/ano. Boa localização; além da piscina, tinha court de ténis, sala de convívio, ginásio, mercearia e libaneses ruidosos ao fim-de-semana. Não se pode ter tudo.
Durante a minha estadia em Jazan, o alojamento era por conta da empresa, e o regresso a Riade foi também o regresso ao Green City Compound. Sigamos então para Jidá.
Como segunda cidade do Reino, não há compounds de primeira. Os que são considerados de primeira já têm uns anos, os mais recentes são atamancados, com pouco espaço exterior e reminiscências a Armação de Pêra. Os preços também são mais em conta, com o T1 a custar cerca de 75.000 SAR/ano. Já em Taif, não há compounds (quer dizer, há dois: um é velho, a decair, com rendas de 6.000 SAR/mês, e o outro exclusivo para os funcionários de um empreiteiro do Ministério da Defesa). Tive então de procurar um apartamento limpo e recente.
Primeiro desafio: a casa de banho. Aparentemente, bases ou cabines de duche não lhes assistem — e banheiras, muito menos. O chuveiro fica na parede e a casa de banho fica encharcada depois do banho. Alguém há-de limpar. Menos o lavatório, vá-se lá saber porquê, que fica do lado de fora da casa de banho.
Entretanto, surgiu uma possibilidade de regressar a Riade. Uma pesquisa pelas opções de alojamento revelou um aumento significativo nos preços das rendas. Um T1, num compound de topo, passou para os 190.000 SAR anuais — e há lista de espera.
O custo dos apartamentos também subiu, obviamente. As alterações culturais levaram a que morar num compound se tornasse menos indispensável para ocidentais que queiram levar um estilo de vida menos alinhado com os valores do Islão. Muitas famílias optam por moradias nos arredores. Ao ritmo a que a cidade se expande, rapidamente deixarão de ser arredores. No fundo, é como ir morar para Benfica nos anos 30.
No entanto, nunca vi por cá bairros de barracas. Quem costuma morar em tendas são os nómadas. Dos analógicos. Mas também há muitas zonas que fazem Casal de Cambra parecer Campo de Ourique. Mais acanhado ou menos, para já toda a gente parece conseguir um lugar onde morar.
De acordo com os números mais recentes, o défice habitacional situa-se em 1.500.000 fogos. Dado o incremento da migração para as cidades — e os agregados familiares numerosos, o que também não ajuda — continuam a chegar imigrantes para os gigaprojectos.
Já assistimos às consequências que o rápido crescimento urbano pode ter para as cidades. Vamos ver como o Reino pretende resolver. Nem sempre as coisas se resolvem despejando-lhes petrodólares. Ou riais.