Tudo sobre (o número certo de) rodas
Andar de mota é perigoso, por estes lados é um desporto radical. Quando aqui cheguei, até os entregadores de Uber Eats e afins usavam automóveis, convinha assegurar que as coisas chegavam mesmo aos clientes, mas actualmente já usam motociclos, e portanto os condutores estão mais conscientes da presença deste tipo de viaturas pelas avenidas.
Durante a minha primeira estadia em Riade, costumava ver grupos de motociclistas, sobretudo em Harley-Davidson, algumas Goldwing, pela Avenida Tahlia, equipados a rigor, estilo Sons of Anarchy, para irem ao seu bar preferido beber um frappuccino de baunilha com caramelo salgado.
No entanto, passear fora das cidades, sobretudo em grupo, é relativamente seguro, menos tráfego e as estradas são boas, é coisa de que, volta e meia, sinto saudades, conduzir uma viatura com o número certo de rodas.
E calhou passar, aqui há uns meses, junto a uma agência de rent-a-car, das principais aqui do reino, com motas para alugar. E porque não? Pedi informações, tenho licença de condução saudita para viaturas ligeiras, que preciso para alugar uma mota?
Pois, a licença de condução internacional serve, foi o que ele disse. Desconfiei, a licença de condução internacional só autoriza a condução na Arábia Saudita a não-residentes, mas aqui também ocorre muito o princípio de Pimenta Machado, o que ontem era verdade hoje é mentira, e vice-versa.
Aproveitei a ida a Portugal em Dezembro para tratar da licença de condução internacional, e regressei aqui ao reino com a licença, capacete e luvas.
Voltei a contactar a agência, a licença internacional serve, sim senhor, chamei-lhes a atenção para a minha condição de residente, e vai-se a ver afinal parece que não, é mesmo necessária uma licença saudita. Duh…
E como se consegue então uma licença de condução saudita? Quando se é recém-chegado, a empresa costuma ter um indivíduo que nos acompanha a tratar de tudo. Quando se tenta tratar individualmente, sem falar árabe, é como tentar atravessar o deserto, sem guia.
À partida, parece simples, é só obter um atestado médico, uma tradução certificada da licença portuguesa, e marcar atendimento numa escola de condução, através da plataforma Absher, o equivalente aqui ao gov.pt.
No dia marcado, dirigi-me à escola de condução Dallah, cá fora há indivíduos a distribuir cartões, parece que é para atestados médicos. Lá dentro, indicaram-me o guichet número 7, e lá me disseram, primeiro tens que sair e ir a outro edifício, trazer uma fotocópia do teu cartão de residente. Fui. Agora vais para outro edifício, esperar que te chamem. Para mostrar que consigo andar de mota, já ia prevenido com o capacete e as luvas. A mota que me calhou era chinesa, a segunda velocidade não entrava, dei a volta toda ao percurso designado em primeira velocidade, foi o suficiente.
Agora, guichet número 9, pagar, e voltas cá no Domingo. Estranho, para a licença de condução de automóveis recebi o cartão no mesmo dia. Voltei Domingo à noite, afinal era para ter aulas de código, e nova sessão no dia seguinte. Não tenho tempo nem paciência para isto, já tenho licença portuguesa, só preciso da equivalência. Então tens que falar com o gerente, que só está cá de manhã. E portanto voltei de manhã.
Lá consegui que me devolvessem o que tinha pagado pelas aulas, mas havia um problema com a tradução, não especificava que a licença portuguesa me habilitava a conduzir motociclos, só diz A, A1, A2, com bonequinhos. Se quiseres, pagas aqui em dinheiro vivo e ficas com o assunto resolvido. Bom, já tinha pagado a um tradutor oficial, primeiro fui lá ver se ele me fazia uma nova tradução, especificando o tipo de viatura. Fez. Na escola de condução só tinham marcação para dai a duas semanas, e entretanto mete-se o Ramadão. Preferi não marcar logo, por motivos profissionais.
Voltei ao Absher, para marcar em data mais conveniente, só pode ser 30 dias depois da última marcação, esperemos. E com tudo isto já estamos em Março. E lá voltei em Março, com a carta bem traduzida, só que não. Esta empresa de traduções está na lista negra. Compreendi-te, tratem lá vocês da tradução, eu pago, quanto tempo demora? 10 minutos. E 10 minutos depois, já com a tradução correcta, lá fui ao guichet número 7, mas isto é uma marcação para uma nova licença, tu precisas de uma marcação para converter a licença. E isso não se faz no Absher, tem que ser no outro edifício, guichet 27. E entretanto mete-se o Eid, chega Abril, lá marquei. Será desta? Será?
No dia marcado, regresso ao guichet número 7, a moça olha para os papéis, começa a carimbar, a escrever e rubricar, é sempre bom sinal. Pronto, agora vai ao guichet número 5. Espera aí que já te chamo. Quando chamou, foi para me dizer que tinha que ir a outro edifício, guichet 26, pagar a licença, válida por 5 anos. Fui, e paguei, regressei ao guichet número 5. Espera aí que já te chamo. Olha, vais ter que voltar ao outro edifício, guichet número 26, registar o dedo. “#%”#$%!
Pois, parece que para poder conduzir motociclos e viaturas comerciais é necessária uma certidão de registo criminal. Os desígnios do burocrata são insondáveis.
Felizmente isso também pode ser feito através do Absher, é só pagar e esperar 20m. E pronto, nada consta. Podes voltar ao guichet número 5. Mesmo? A sério? Não tenho que cá voltar?
Vamos ver, no guichet número 5, a mesma informação, espera aí que já te chamo. E, finalmente, lá me chamaram para me entregar a licença saudita de condução de motociclos, mashalah!
Passo seguinte, contactar a agência de rent-a-car para reservar a mota, e enviar a cópia da licença.
Ui, para alugares aqui uma mota tens que ter licença de condução com mais de um ano…
Pronto, na próxima publicação há fotos do Bruno, para serenar os leitores que aguentaram até aqui, continua no próximo episódio.