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Gare do Oriente, Médio

Dois arquitectos portugueses emigram para o Reino da Arábia Saudita. Um escreve (às vezes também esquiça), outro fotografa.

Gare do Oriente, Médio

Dois arquitectos portugueses emigram para o Reino da Arábia Saudita. Um escreve (às vezes também esquiça), outro fotografa.

É como se fosse sempre Verão, a vida é fácil, não há rios onde saltem peixes, nem campos de algodão, mas o papá é rico, e a mãe bem parecida.

Quando aqui cheguei, as más línguas afirmavam que a produtividade de um Saudita era baixa, entre o chegar tarde e sair cedo, pausas para orar, café, chá, fumar, almoçar, sobravam uns efectivos 20 minutos por dia.

Não sei se é verdade, mas o facto é que para os meus dois colegas Sauditas, os pratos da balança vida/trabalho pendiam claramente a favor da primeira.

Algures em 2014, mais ano menos ano, a Arábia Saudita iniciou um programa de Saudização, impondo uma quota dos seus cidadãos a integrar nas empresas. Houve muito emprego em que era suposto irem lá picar o ponto e depois sair, para não atrapalhar quem estava, de facto, a trabalhar.

Seguiu-se uma lista de profissões que só podiam ser exercidas por Sauditas, e negócios também em exclusividade.

Um deles foi a gestão de lojas de telemóveis/informática. No início de 2017, precisei de reparar um tablet, fui a um dessas lojas, atendido por um Saudita, como pertence, está pronto às 9. Não estava. Aguardei um pouco, e lá chegou um rapaz paquistanês com o tablet reparado. Uma coisa é ser funcionário numa loja de reparações, outra coisa é saber reparar coisas.

Também não ajuda nas relações laborais a tendência que os árabes têm de nunca admitirem que não sabem alguma coisa, e muito menos admitirem que estão errados.

Entretanto as coisas começaram a mudar, milhares de recém-licenciados regressaram de universidades estrangeiras, onde se formaram, as mulheres entraram em força no mercado de trabalho. Há coisa de 3 anos tive uma proposta para integrar um projecto, parte da minha equipa seria composta por jovens Sauditas, grandes títulos, pouca experiência. E, neste mercado, não chega o que se aprende numa universidade para se conseguir gerir um projecto.

Mas entretanto começa a notar-se a mudança, tenho na equipa miúdos mais interessados, mais dedicados. Chegou há pouco uma engenheira de obra, formada em Londres, elevada dedicação, disposição, talento. Já sabem que não sabem, e têm vontade de aprender.

Mas isto é mais na área da construção. Os relatos que me chegam na outra área que emprega grande parte dos portugueses emigrados, a saúde, contam uma história diferente. Aqui há uma clara distinção entre sexos, as enfermeiras Sauditas integram-se bem nas equipas, são competentes e dedicadas. Eles nasceram para mandar. É o meu país, não estou aqui para esvaziar arrastadeiras (eu sei, eu sei, é um cliché), estou aqui para ser chefe e esperam substituir de imediato os colegas imigrantes que ocupam as posições ambicionadas. 

Enfim, certas coisas ainda podem demorar um pouco mais a mudar. Desde que não dê muito trabalho.

- Se tem algum jeito tanto turista.
- Uma pessoa já nem reconhece isto.
- Já só falta trazerem os tuktuks.
- Ouvi dizer que já compraram o terreno do lado para fazerem um Airbnb.
- E ninguém já fala árabe.
- Antigamente é que era bom, não havia estrada pra cá chegar, não havia sinal de telemóvel e ainda se faziam uns churrascos que era uma maravilha.
- Já nem a bordinha do mundo está a salvo.
- Maldita gentrificação.

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Arábia Saudita, esse país de deserto, dunas e camelos, um ou outro oásis. E mais um preconceito errado. 

Há um par de dias, cerca das 2 da tarde, o céu escureceu, começou a chover e a trovejar. E por estes lados a coisa não se fica apenas por ameaços, quando chove, chove muito. De modo que optei por sair mais cedo do escritório, o percurso entre Meca e Jidá já é suficientemente desafiante só de partilhar a estrada com os condutores locais, se juntarmos chuva e condução nocturna, temos emoção garantida para um par de horas. E o gerador do escritório também abandona. O primeiro obstáculo é chegar seco ao carro. Ou menos ensopado, vá. O estacionamento está coberto por telas de sombreamento, e o lado do condutor fica precisamente sob o espaço entre telas, pelo que é para onde escorre a água e forma uma cascata. Juntemos a Lei de Murphy, o carro destranca por proximidade da chave, mas hoje não, tive de a procurar na mala, sob a cascata. Quando finalmente consegui entrar na viatura, já estava pronto para o concurso mister camisa molhada. 

Seguiu-se um percurso de obstáculos de Meca a Jidá, água pela altura da porta, circular em contra-mão por zonas inundadas, evitar derrocadas e carros atascados. Correu bem.

Portanto, aqui chove. Há poucos dias por ano com precipitação, mas quando há é a sério. E de cada vez que acontece, parece que é uma surpresa. O país tem investido significativamente em projectos turísticos, entretenimento, desporto, aparentemente as infraestruturas não mereceram tanta atenção. Finalmente foi inaugurado o Metro de Riade, eventualmente hão de pensar num para outras cidades.

Fora dos centros urbanos o terreno é suficientemente permeável, rapidamente a água é absorvida. Já Riade e Jidá parecem Alcântara assim que chove durante mais de uma hora, a impermeabilização dos solos urbanos não foi acompanhada de uma rede de escoamento eficaz. Parece que foi na base do princípio “quando chover logo se vê, pode ser que este ano não chova, olha, afinal choveu, devíamos fazer alguma coisa, mas hoje não, que está a chover”.

Ou talvez lhes faça tanto sentido uma rede de drenagem de águas pluviais na Arábia como um limpa-neves no aeroporto de Luanda.

Pelo meu lado, optei por ter um SUV, nunca mais me apanham nesta terra com um carro rasteirinho. E agora tenho sempre um guarda-chuva no escritório.