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Gare do Oriente, Médio

Dois arquitectos portugueses emigram para o Reino da Arábia Saudita. Um escreve (às vezes também esquiça), outro fotografa.

Gare do Oriente, Médio

Dois arquitectos portugueses emigram para o Reino da Arábia Saudita. Um escreve (às vezes também esquiça), outro fotografa.

 

Estamos naquela altura do ano. O tempo em que contabilizamos o saldo do ano que finda e que prometemos ser melhor num futuro próximo.

Dei por mim a pensar na parte do resumo do ano. O meu pensamento levou-me a pensar no quanto do meu resumo é resultado da minha condição de “expatriado”.

Faço parte da fatia do queijo para quem emigrar não foi uma necessidade, antes uma opção. Não comparo nem meço as minhas dores pelas de outros que o fizeram por não ter outra opção.

Enquanto divago neste pensamento, na mesa ao meu lado, um casal discute uma rusga policial na mouraria que aconteceu dias antes.  Não estou em Riade, estou em lisboa a aproveitar o período de férias natalícias.

A emigração sempre foi o assunto sensível no nosso país e as últimas tendências internacionais trouxeram os fantasmas que nunca saíram do armário para o meio do hall de entrada.

Não tenho respostas nem soluções para o tema que divide a sociedade. Pratico a empatia de forma intencional, como forma de tentar entender as dores que afligem os outros, porque talvez seja essa a forma de encontrar um caminho menos espinhoso.

Entretanto o casal ao meu lado continua a dissertar sobre os emigrantes que nem sequer falam a língua e como isso os faz sentir que “eles” não merecem um lugar neste nosso pedaço de terra à beira mar esquecido. Segundos depois, a conversa é interrompida por um telefonema onde passam minutos a desejar paz e harmonia a amigos que ligaram para desejar as boas festas. Portugal, os Portugueses e a visão  sobre si de povo caridoso e benevolente.

Penso quanto da minha imagem sobre o eu pessoa e o eu Português mudou com a minha condição de “expatriado”.

Raul Solnado disse “Façam o favor de ser felizes”.

 

E porque as palavras de outros por vezes nos explicam melhor do que as nossas, lembrei-me de um reel que fiz no início do ano. Música do álbum “Afro Fado” do Slow J, com o feat. da Teresa Salgueiro.

 

https://www.instagram.com/reel/C1v7Vh1NEG6/?igsh=MTBsOGNuYmQxZ3E4OQ==

11 Dez, 2024

O Ópio do Povo

Jidá, 6 de Dezembro de 2024, 18h52m. Aproximamo-nos da Cidade Desportiva Rei Abdullah, onde a partida entre as equipas de futebol Al Itihad e Al Nassr irá iniciar-se às 20h00m.

Já há algum trânsito, mas ainda não é difícil encontrar um lugar para estacionar no parque. Ao redor do estádio não há roulotes a vender sanduíches de courato, nem minis. Ainda, dêem-lhes tempo. Aliás, nem sequer há roulotes, apenas um ou outro ponto promocional, de snacks ou refrigerantes, para ir entretendo os adeptos. 

O acesso está bem organizado, só ao atravessar o vomitório que serve o nosso lugar levamos com um flash da multidão, de amarelo, em cânticos coreografados. As cadeiras estão cobertas com plásticos coloridos, amarelos, vermelhos, pretos. Irão servir para cada adepto erguer o seu, e formar um desenho de belo efeito no estádio cheio.

No fim, Ronaldo marcou e o Itihad venceu, fiquei contente.

Quando cá cheguei, já o futebol entusiasmava os sauditas. O primeiro jogo a que assisti foi o derby da capital, Al Hilal vs Al Nassr, quando Jorge Jesus cá esteve pela primeira vez. Estádio cheio, muito entusiasmo, e tarjas declarando “Jesus is our leader”. Não, a ironia não me passou despercebida.

Há uma tira de Calvin & Hobbes, em que Calvin se pergunta o que Marx queria dizer com a frase “a religião é o ópio do povo”. No quadradinho seguinte, um balão regista o pensamento do televisor da família “significa que Marx ainda não tinha visto nada”. A televisão já foi substituída pelo scroll, o futebol toma conta do que sobra.

Todos os cafés em Riade, Jidá ou Taif erguem ecrãs gigantes nas esplanadas, e não é propriamente para que os clientes possam assistir ao Preço Certo em Riais. Quando não está a iluminar-se com um jogo de futebol, em directo ou em diferido, apresenta o que suponho ser a versão saudita dos Donos da Bola (era suposto eu agora fazer um trocadilho parvo arabizando os nomes dos comentadores portugueses, mas só me ocorrem 3, dois já morreram e o outro anda a contas com a justiça).

Entretanto, amanhã a FIFA irá anunciar a Arábia Saudita como o país organizador do Mundial de 2034, num processo que o The Guardian considera pouco claro, o que suponho que tenha surpreendido um total de zero pessoas, tratando-se da FIFA. As comemorações irão prolongar-se por 4 dias, continua a haver pão, continua a chegar o circo.

Ainda assim, esta febre futeboleira tem resultado a nosso favor, ler nacionalidade portuguesa no iqama costuma conseguir arrancar sempre um sorriso ao agente da autoridade mais trombudo, às vezes até se consegue a atenção exclusiva de uma médica saudita nas urgências (true story), graças ao talento de Cristiano Ronaldo para lidar com uma esfera de poliuretano.

Quanto à outra parte mais folclórica do desporto-rei, nunca li nada aqui sobre confrontos entre claques, petardos ou very-lights, assaltos a áreas de serviço ou invasões de academias. Nesse aspecto parece que ainda estão um pouco atrasados, espero que fique tudo pronto para o Mundial 2036.